Infância

Hoje, dei por mim a relembrar os meus tempos de garota. E recordar a infância é também recordar-te.

Vejo-te sentado no cadeirão da sala. À tua frente estão os teus amados - Eça, Aquilino e Junqueiro. Lês O Primeiro de Janeiro, fazes as palavras cruzadas com a tua fiel parker (aquela especial que nunca me querias emprestar), acrescentas mais um selo à tua orgulhosa colecção e perguntas-me se já fiz os deveres. Mostras-me o teu álbum de fotografias, pela milionésima vez. Aquelas fotos tão antigas, a preto a branco. Mostras-me os teus pais e os teus irmãos. Falas-me dos teus tempos de menino e do que era Portugal, naqueles anos 30. Ali estás tu. Rio imenso. Não consigo imaginar que, um dia, também já foste menino. Mostra-me outro álbum. Este é novo. Tem fotos recentes, a cores. Minhas, até. Ali estou eu. Olhitos brilhantes, sorriso tímido e aquele vestido azul... Esta sou eu.

Hoje penso que também já fui criança. Contigo, os momentos eram felizes e puros e eu sinto muito a tua falta, avô. Recordar é viver e ver. Vejo-te, avô. Sempre.